domingo, 18 de julho de 2010

Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez

"Ainda era confuso o estado das coisas no mundo, no tempo remoto em que esta história se passa. Não era raro defrontar-se com nomes, pensamentos, formas e instituições a que não correspondia nada de existente. E, por outro lado, o mundo pululava de objetos e faculdades e pessoas que não possuíam nome nem distinção do restante. Era uma época em que a vontade e obstinação de existir, de deixar marcas, de provocar atrito com tudo aquilo que existe, não era inteiramente usada, dado que muitos não faziam nada com isso - por miséria ou ignorância ou porque tudo dava certo para eles do mesmo jeito - e assim uma certa quantidade andava perdida no vazio. Podia até acontecer então que num ponto essa vontade e consciência de si, tão diluída, se condensasse, formasse um coágulo, como a imperceptível partícula de água se condensa em flocos de nuvem, e esse emaranhado, por acaso ou por instinto, tropeçasse num nome ou numa estirpe, como então havia muitos disponíveis, numa certa patente de organização militar, num conjunto de tarefas a serem executadas e de regras estabelecidas; e - sobretudo - numa armadura vazia, pois sem ela, com os tempos corriam, até um homem que existia corria risco de desaparecer, imaginem um que não existia... Assim havia começado atuar Agilulfo Guildiverno e a esforçar-se para obter glórias."


Italo Calvino, "O cavaleiro inexistente".


e um PS: no livro existem cavaleiros existentes como Rambaldo que se apaixona por um cavaleiro amigo que na verdade é menina, assim como o caso do Riobaldo do Grande Sertão. tem alguma coisa a ver?


e outro PS: adorei o nome do personagem principal: Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez.

3 comentários:

  1. li esse! e rachei o bico!
    como chamava mesmo aquela escudeiro que se misturava com tudo e queria ser tudo? ( que ao contrário do cavaleiro ao invés de ter vários sobrenomes tinha vários apelidos)

    e essa da coincidência com o grandes sertões é um boa pergunta!

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  2. então, o escudeiro era mais conhecido como Gurdulu, hahah.

    e parece que não foi só coincidência: grande sertão é de 56 e esse do calvino de 59 (a época em que grande sertão começou a ser traduzido, segundo meu cunhado Marcelo). é bem provável que seja referência ao livro brasileiro.

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  3. Pois é, tem sim...e muito a ver. Grande Sertão: Veredas e O Cavaleiro Inexistente possuem a temática da Donzela Guerreira não à toa. No caso de Italo Calvino posso afirmar que ele faz uma paródia Orlando Furioso, de Ariosto. Também de Jerusalém Lbertada, torquato tasso,ambos italianos. As referências de Grande Sertão: Veredas extrapolam a novela de cavalaria medieval. Existe também a questao do pacto com diabo que remete ao mito de fausto. Mas, sim, as possibilidades de comparação sao vastas. É o que tenho estudado,por sinal.
    uma dica: o hipocorístico dos nomes dos personagens (bald) é de origem alemã. siginifica algo como valioso.
    abraços.

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